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quarta-feira, 9 de maio de 2012

Fuga de Ló.

"A Fuga de Lot"
2000-2003
160 x 165 cm
Óleo sobre tela colada em madeira
Página 133 do livro "ARAUJO - Pinturas do Antigo e Novo Testamento"

"É imenso o clamor que se eleva de Sodoma e Gomorra, e o seu pecado é muito grande."  (Gênesis 18, 20)


A proposta de fazer esta reflexão é a de faze-la sobre este quadro do Carlos Araujo que faz parte da coleção particular de uma grande amiga.

A reflexão teológica pode ser feita sobre uma imagem, ela pode também ser produzida sobre um artigo de jornal. Onde nos depararmos com uma situação de injustiça nos cabe a seguinte pergunta: “O que Jesus faria frente a esta situação?”. Nos textos sagrados, na grande maioria das vezes, Jesus olha para a realidade e só ai lança seus ensinamentos, nós também devemos fazer o mesmo, devemos enxergar a realidade e senti-la na pele para entende-la e  esta forma de produzir teologia é chamada de: Teologia da Libertação.

A palavra de Deus é inesgotável e este texto pode nos conduzir a muitas linhas de reflexões, minha proposta aqui é caminhar por uma destas possibilidades e para tanto segue a passagem na integra.

Fuga de Ló - Gênesis 19, 1 - 38
Pela tarde chegaram os dois anjos a Sodoma. Ló, que estava assentado à porta da cidade, ao vê-los, levantou-se e foi-lhes ao encontro e prostrou-se com o rosto por terra.
"Meus Senhores, disse-lhes ele, vinde, peço-vos, para a casa de vosso servo, e passai nela a noite; lavareis os pés, e amanhã cedo continuareis vosso caminho."
"Não, responderam eles, passaremos a noite na praça."
Mas Ló insistiu tanto com eles que acederam e entraram em sua casa. Ló preparou-lhes um banquete, mandou cozer pães sem fermento e eles comeram.
Mas, antes que se tivessem deitado, eis que os homens da cidade, os homens de Sodoma, se agruparam em torno da casa, desde os jovens até os velhos, toda a população.
E chamaram Ló: "Onde estão, disseram-lhe, os homens que entraram esta noite em tua casa? Conduze-os a nós para que os conheçamos."
Saiu Ló a ter com eles no limiar da casa, fechou a porta atrás de si e disse-lhes: "Suplico-vos, meus irmãos, não cometais este crime.
Ouvi: tenho duas filhas que são ainda virgens, eu vo-las trarei, e fazei delas o que quiserdes. Mas não façais nada a estes homens, porque se acolheram à sombra do meu teto."
Eles responderam: "Retira-te daí! - e acrescentaram: Eis um indivíduo que não passa de um estrangeiro no meio de nós e se arvora em juiz! Pois bem, verás como te havemos de tratar pior do que a eles." E, empurrando Ló com violência, avançaram para quebrar a porta.
Mas os dois {viajantes} estenderam a mão e, tomando Ló para dentro de casa, fecharam de novo a porta.
E feriram de cegueira os homens que estavam fora, jovens e velhos, que se esforçavam em vão por reencontrar a porta.
Os dois homens disseram a Ló: "Tens ainda aqui alguns dos teus? Genros, ou filhos, ou filhas, todos os que são teus parentes na cidade, faze-os sair deste lugar,
porque vamos destruir este lugar, visto que o clamor que se eleva dos seus habitantes é enorme diante do Senhor, o qual nos enviou para exterminá-los."
Saiu Ló, pois, para falar a seus genros, que tinham desposado suas filhas: "Levantai-vos, disse-lhes, saí daqui, porque o Senhor vai destruir a cidade." Mas seus genros julgaram que ele gracejava.
Ao amanhecer, os anjos instavam com Ló, dizendo: "Levanta-te, toma tua mulher e tuas duas filhas que estão em tua casa, para que não pereças também no castigo da cidade."
E, como ele demorasse, aqueles homens tomaram pela mão a ele, a sua mulher e as suas duas filhas, porque o Senhor queria salvá-los, e o levaram para fora da cidade.
Quando já estavam fora, um dos anjos disse-lhe: "Salva-te, se queres conservar tua vida. Não olhes para trás, e não te detenhas em parte alguma da planície; mas foge para a montanha senão perecerás."
Ló disse-lhes: "Oh, não, Senhor!
Já que vosso servo encontrou graça diante de vós, e usastes comigo de grande bondade, conservando-me a vida, vede, eu não me posso salvar na montanha, porque o flagelo me atingiria antes, e eu morreria.
Eis uma cidade bem perto onde posso abrigar-me. É uma cidade pequena e eu poderei refugiar-me nela. Permiti que o faça - ela é pequena - e terei a vida salva."
Ele disse-lhe: "Concedo-te ainda esta graça: não destruirei a cidade a favor da qual me pedes.
Apressa-te e refugia-te lá porque nada posso fazer antes que lá tenhas chegado." Por isso, puseram àquela cidade o nome de Segor.
O sol levantava-se sobre a terra quando Ló entrou em Segor.
O Senhor fez então cair sobre Sodoma e Gomorra uma chuva de enxofre e de fogo, vinda do Senhor, do céu.
E destruiu essas cidades e toda a planície, assim como todos os habitantes das cidades e a vegetação do solo.
A mulher de Ló, tendo olhado para trás, transformou-se numa coluna de sal.
Abraão levantou-se muito cedo e foi ao lugar onde tinha estado antes com o Senhor.
Voltando os olhos para o lado de Sodoma e Gomorra e sobre toda a extensão da planície, viu subir da terra um fumo espesso como a fumaça de uma grande fornalha.
Quando Deus destruiu as cidades da planície, lembrou-se de Abraão e livrou Ló do flagelo com que destruiu as cidades onde ele habitava.
Ló partiu de Segor e veio estabelecer-se na montanha com suas duas filhas, pois temia ficar em Segor. E habitava numa caverna com suas duas filhas.
A mais velha disse à mais nova: "Nosso pai está velho, e não há homem algum na região com quem nos possamos unir, segundo o costume universal.
Vem, embriaguemos nosso pai e durmamos com ele, para que possamos nos assegurar uma posteridade."
Elas fizeram, pois, o seu pai beber vinho naquela noite. Então a mais velha entrou e dormiu com ele; ele, porém, nada notou, nem quando ela se aproximou dele, nem quando se levantou.
No dia seguinte, disse ela à sua irmã mais nova: "Dormi ontem com meu pai, façamo-lo beber vinho ainda uma vez, esta noite, e dormirás com ele para nos assegurarmos uma posteridade."
Também naquela noite embriagaram seu pai, e a mais nova dormiu com ele, sem que ele o percebesse, nem quando ela se aproximou, nem quando se levantou.
Assim, as duas filhas de Ló conceberam de seu pai.
A mais velha deu à luz um filho, ao qual pôs o nome de Moab: este é o pai dos moabitas, que vivem ainda hoje.
A mais nova teve também um filho, ao qual chamou Ben-Ami: este é o pai dos amonitas, que vivem ainda hoje. 

Ló é um personagem bíblico que deve fugir com sua família e largar tudo para traz a caminho do desconhecido, ou para o radicalmente novo e sem carregar absolutamente nada, e como já sabemos, sua esposa não consegui completar esta transição tornando-se assim uma estátua de sal.

No caso da esposa de Ló ter se transformado em uma estátua de sal (ou conservada em sal), quer nos dizer que ela não estava disposta a largar tudo para traz e seguir na direção do incerto e da novidade absoluta. A isto, nos dias de hoje, rotulamos de pessoa conservadora, aquelas que não gostam, ou tem medo de mudanças.

Nesta história existem muitas divisões e incertezas: suas duas filhas se separam dos futuros maridos, Ló é separado de sua esposa e os três se separam da antiga sociedade que viviam.

Sodoma e Gomorra são duas grandes comunidades que representam a situação (poder) e a injustiça, isso em todos os seus níveis, Ló e sua esposa, suas filhas e seus dois genros também são comunidades pequenas, inexpressivas que estão  internamente divididas.

O gesto praticado pelas duas filhas de Ló, que sugere uma relação incestuosa, o qual olhando para cada personagem como uma comunidade, passa a ser vista como um tipo de miscigenação destas comunidades em prol da continuidade da comunidade de Ló. Olhar para estes personagens com este entendimento fica mais esclarecido quando entram em cena os filhos (netos) de Ló: Moabe e Bem-Ami, que estão relacionados a formação de dois povos, os moabitas e os amonitas.

Lendo esta passagem ela sugere uma transgressão da Lei, por parte das filhas de Ló, mesmo quando as enxergamos como comunidades, pois, para os antigos a miscigenação religiosa não era vista com bons olhos, porque o Deus hebreu apenas a eles pertencia. Mas Jesus, Moisés e o profeta Samuel, também nos mostraram que é permitido transgredir a Lei Divina, desde que seja por uma causa justa: dizia Jesus: “O sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado” (Marcos 2, 27), e inclusive chama de hipócritas as pessoas que não entendem isso; a carta de divórcio que Moisés instituiu também não era a vontade de Deus e sim a necessidade humana. Deus não aprova o sistema monárquico, foi o povo que assim o desejou, pois, antes disso o monarca do povo era Deus e quem o representava era um profeta (1 Samuel 8, 4 – 10).

Toda comunidade representa uma ideia, ou um conjunto delas, no caso de Sodoma e Gomorra não é Deus quem as destrói, pois, toda falsa ideia de Deus é autodestrutiva. O mesmo aconteceu a todos os impérios, o motivo é sempre o mesmo: “injustiça”, todos caíram e é certo que o atual também cairá. Somente as ideias realmente justas sobrevivem para sempre. A queda das Torres Gemias foi uma resposta à injustiça que acontece no ganancioso Capitalismo e não é preciso ser um profeta para saber que acontecerá novamente.

Dadas as devidas proporções muitas vezes passamos por situações semelhantes as que Ló passou, por fatores externos e internos à nossa vontade, e para citar apenas um destes exemplos podemos pegar nossas experiências profissionais: Algumas vezes somos demitidos, outras vezes pedimos demissão ou temos vontade de pedi-la mas não conseguimos, porém, em todas estas situações, muitos de nós, ficam aterrorizados pelos conflitos que nossas inseguranças, e dúvidas causam em nosso interior. Principalmente quando se é um pai ou mãe porque isso afeta todos a nossa volta.

Em um modelo mais amplo podemos ver hoje o quanto nossos sistemas: político, educacional, econômico, entre outros, estão contaminados e corrompidos mas, nos mantemos presos a estes modelos. Continuamos votando nos mesmos na esperança de que o novo brote do antigo, quando no máximo o que pode acontecer é ressurgir o velho travestido de novo e a mesma podridão se repete.

Nos nossos atuais modelos religiosos sempre se percebe a falta de fé, justo destes que neste quesito deveriam ser nossos exemplos. O que se percebe é um medo aterrorizante que estas instituições tem de mudanças, medo de perder o controle e por consequência perder o fétido “poder” que os circundam. Esta passagem quer dizer a estes que: suas ideias de modelo de sociedade estão fadadas a um vergonhoso fracasso, pois, estão cegos e podemos perceber isso claramente no texto: ”E feriram de cegueira os homens que estavam fora, jovens e velhos, que se esforçavam em vão por reencontrar a porta.”. (19, 11)

Nesta significativa passagem está contido um recado para todos nós, ela ilustra uma terrível realidade de injustiça e ela nos diz que: Mesmo no meio de tanta injustiça sempre existe uma pequena mexa de esperança. Nos dias de hoje ainda podemos perceber que, este é o rumo de nosso atual modelo de sociedade, e Deus só o permite a sua existência porque em algum lugar ainda encontrasse um “Ló”.

Os caminhos de Deus nunca são fáceis, mas eles sempre estão repletos de perdão, amor, compaixão e solidariedade. Devemos também aplicar em nossas vidas estes ensinamentos, devemos aprender a necessidades urgente de perdoar os nossos próprios erros para que possamos continuar vivos, e não ficarmos constantemente olhando os nossos erros passados, isso para que não nos transformemos em uma insossa estátua de sal.

5 comentários:

  1. De volta a este feliz espaço de reflexão e estudo!! Esse texto provoca uma profunda reflexão em mim pelo menos tanto no sentido comunitário quanto no sentido pessoal, mostra o quanto estamos presos a velhas ideias e velhos pensamentos, fazemos a mesma coisa com resultados diferentes, e o profundo apego que temos as coisas, status apego esse que nos leva a cegueira como o povo da cidade de Ló, estamos tão cheios de nós mesmos, de nossas teorias que não nos desapegamos, não esvaziamos a nossa mente e o nosso coração de velhas ideias e velhos medos e nos abrimos ao novo , a novidade que Deus nos traz todos os dias....
    Com certeza um texto para ser lido, relido, pois são as reflexões e principalmente acões a serem tomadas...

    Abraços!

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  2. Li o texto e gostei imensamente de seu comentário. O texto é complexo, trata, como voce descreve, de mudança, algo muito complexo também.Quero inclusive registrar que coube muito bem no momento que eu estou vivenciando. Coragem é algo que eu estou precisando muito, entretanto ao ler esse texto, descobri que o que eu estou necessitando mesmo é de mais fé. Beijos!

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  3. Quando você escreve:

    "No caso da esposa de Ló ter se transformado em uma estátua de sal ... quer nos dizer que ela não estava disposta a largar tudo para traz e seguir na direção do inserto e da novidade absoluta."
    e
    "...no caso de Sodoma e Gomorra não é Deus quem as destrói, ... "

    me parece que você vê a história de Ló apenas como um conto (apenas com o objetivo de passar alguns ensinamento para gerações futuras) e não uma história verídica. Entendi certo?

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    1. Sim, você entendeu corretamente eu não sou fundamentalista, não vejo a Bíblia como um Livro de Histórias. Se ler-mos a Bíblia da maneira fundamentalista cairemos em contradição inúmeras vezes. Exemplo: O nome de Jesus é: Jesus de Nazaré e no entanto ele nasceu em Belém, seu nome não deveria ser: Jesus de Belém? Uma cidade fica ao Sul e a outra fica ao Norte.
      Obrigado pela sua contribuição.
      Um grande abraço.

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